A China tem se mostrado um país incrível e sem precedentes no que tange a infraestrutura. Além do país em muito breve tornar-se a maior economia do planeta, a China a cada dia nos dá uma aula de administração e competência.
Felipe Zmoginski
30/01/2020 04h00
Obras de hospital acontecem em tempo recorde (Reprodução)
As notícias de que a China construirá um hospital com mil leitos em apenas seis dias, na cidade de Wuhan, epicentro da crise causada pelo coronavírus, causaram espanto e comoção em todo o mundo. Afinal, como é possível erguer uma obra deste porte tão rapidamente? Há até um link com transmissão das obras em tempo real.
O hospital, que deve ser inaugurado já no próximo final de semana, entre os dias 1 e 2 de fevereiro, é um símbolo de como aquele país contorna obstáculos técnicos e burocráticos, avançando velozmente em direção a seus objetivos. No caso, assegurar tratamento a todos os doentes de Wuhan, sem precisar trasladá-los para outras localidades, o que elevaria o risco de transportar o coronavírus a novas províncias.
Apesar de o direito à propriedade privada ter se tornado comum após as reformas dos anos 80, a propriedade dos terrenos onde se constroem casas, fábricas ou se instalam fazendas é sempre pública, do povo da China. Ou do governo, se preferir ler assim. Esta é a razão legal que permite ao poder público deslocar pessoas e ocupar espaços muito rapidamente, apenas pagando indenizações por “bem-feitorias” ou, basicamente, construções feitas em terras que, em última análise, são públicas. Por isso, é mais simples (e barato) abrir estradas, linhas de metrô, fazer grandes obras púbicas.
Além disso, apesar de ser uma nação oficialmente comunista, a China possui um sistema público de saúde de fazer corar até os economistas mais liberais do Ocidente. Não há, por exemplo, saúde pública universal, como o SUS, no Brasil, e mesmo os hospitais públicos, cobram seus pacientes quando atendidos. Se não puderem pagar, bem, não serão recebidos.
Para muitos especialistas, este sistema deve-se menos à maldade dos dirigentes chineses e mais à demografia. É impossível universalizar a saúde para uma população que representa 20% de toda humanidade. O que o poder público faz é subsidiar consultas e medicação. No mais, se você não tiver seguro-privado, terá que pagar a conta sozinho.
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Tal desafio, sem correlação no mundo, fez da China o paraíso das health techs. Pressionado por uma população que envelhece e requer cuidados, o governo chinês liberou o uso de novas tecnologias em saúde que, em muitos países, estão embargadas por discussões éticas, regulatórias ou simplesmente emperradas por lobbies de médicos.
Com exceção dos funcionários públicos, como professores e policiais (que podem usar hospitais do governo de graça) e empregados formais de empresas privadas (que possuem seguro saúde obrigatório, por lei), todos os demais cidadãos devem arcar com suas despesas médicas.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde, 34,4% dos chineses estão nesta situação: sem seguro oferecido pelo empregador, seja público ou privado.
Cabine para consulta médica por teleconferência no meio da rua (Reprodução)
Empresas como Ping An Good Doctor, baseada em Shenzhen, e WeDoctor, baseada em Hangzhou, conquistaram centenas de milhões de clientes ao oferecer planos de saúde de baixo custo, justamente por otimizarem o atendimento aos pacientes via uso massivo de tecnologia.
No caso da WeDoctor, por exemplo, quiosques e pequenas clínicas com um só enfermeiro atendem pacientes que se sentem mal. Exames como medir a pressão, auscultar os pulmões, medir a temperatura e examinar a garganta são feitos pelo enfermeiro e transmitidos em tempo real para um médico remoto. A partir da análise, o médico determina a gravidade, pede exames ou já prescreve o tratamento.
Já o serviço Good Doctor, designa um médico da família para cada grupo de usuários em uma mesma casa e os consulta por videoconferência no celular, periodicamente. Quando necessário, exames são pedidos e consultas presenciais feitas.
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Em ambos os casos, os exames laboratoriais são lidos por ferramentas de inteligência artificial, que interpretam os resultados e dão recomendações ao médico. Estima-se que esta análise automatizada reduza erros médicos em até 40% e eleve a produtividade dos doutores, sempre um gargalo para universalização da saúde, em até 25%.
A liberalidade da legislação de saúde chinesa permitiu, ainda, o surgimento de unicórnios como o iCarbonX, fundado pelo geneticista Wang Jun. A empresa, que já vale US$ 4 bilhões, propõe o desenvolvimento de medicações customizadas para o perfil genético de cada paciente, que tem seu DNA mapeado ao entrar para a plataforma. O serviço ainda mantém, em nuvem, todos os dados médicos de um paciente, permitindo que médicos de quaisquer época ou especialidade tenham acesso ao histórico de exames, tratamento e saúde do paciente.
No caso excepcional das vítimas do coronavírus, um acordo entre os hospitais chineses e o governo central de Pequim permitirá que todas as vítimas sejam atendidas, sem custos para o paciente. Para todos os demais casos do dia a dia, serviços baseados em inteligência artificial e teleconsulta têm sido a solução para universalizar o acesso médico a uma população que já supera 1,4 bilhão de pessoas.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL